quinta-feira, 13 de março de 2008

Waterfront City Masterplan | Dubai | OMA

Mais uma proposta de Koolhaas, que ensaia a possibilidade de uma nova cidade no Dubai.
Haja petrodólares...

Não deixa de ser interessante constatar que Koolhaas revisita a sua "Manhattan" particular, reminiscências óbvias do Delirius New York. (que andou na boca do povo há uns anos...)

Em teoria, foi projectada para acolher 1,5 milhões de habitantes, duplicando a população do próprio país e promovendo a criação de 1 milhão de postos de trabalho.

O masterplan foi desenvolvido no sentido de criar uma autonomia dos seus habitantes em relação ao automóvel. Daí a opção por uma densidade de ocupação semelhante à de Manhattan. Inclui inúmeras soluções já ensaiadas (em Nova Iorque), como por exemplo um "central park", certamente com laivos de oásis, muito mais ao estilo de ali bá-bá....

Deixo-vos as imagens.

Paulo G


















sábado, 1 de março de 2008

O EDIFÍCIO COMO “BLOCKBUSTER”. O PROTAGONISMO DA ARQUITECTURA NOS MUSEUS DE ARTE CONTEMPORÂNEA

Ao longo das últimas décadas, tem-se verificado que a arquitectura de museus de arte contemporânea tende a assumir um papel fundamental na definição e na difusão da imagem das instituições. Contando, em muitos casos, com a assinatura de arquitectos de renome internacional, estes edifícios actuam como catalizadores da vida cultural das cidades, contribuindo para a reabilitação do património arquitectónico ou para a renovação de determinadas zonas urbanas. A tendência apontada é visível num conjunto representativo de museus e centros de arte contemporânea localizados na Península Ibérica. Observando os casos atrás referidos, torna-se evidente que, embora o sucesso destas instituições possa ser potenciado pela excelência da arquitectura, deriva igualmente da qualidade das colecções, das exposições temáticas e do programa de actividades. Neste sentido, o alcance mediático do contentor não implica que os conteúdos museográficos sejam subvalorizados. Pelo contrário, a atenção conferida ao edifício pelos meios de comunicação social e pelos visitantes deve ser encarada como um poderoso instrumento para captar novos públicos e, assim, aproximar mais as pessoas da criação artística e arquitectónica da actualidade. Se, por definição, um “blockbuster” é um evento temporário que atrai visitantes que, normalmente, não frequentam museus, paradoxalmente, constata-se que o sucesso de um edifício museológico, enquanto estrutura perene, depende da sua capacidade para transcender o entusiasmo do primeiro contacto, estimulando o público a voltar. Essa motivação resulta sempre da confluência de diversos factores como a localização, a expressão arquitectónica, a relevância das colecções e exposições, e a oferta de actividades complementares que coexistem no espaço físico do edifício e, muito para além dele, reproduzidas e reinventadas em livros, revistas, jornais, vídeos e páginas web. Coleccionadas por cada indivíduo como um “museu imaginário” pessoal e personalizado, estas imagens e memórias difusas são preservadas por um período indeterminado, tal como o edifício do museu que, mais do que qualquer exposição temporária, pode tornar-se um duradouro “blockbuster.”

Helena Barranha Arquitecta pela FA-UTL, Mestre em Gestão do Património Cultural pela UAlg, Doutoranda da FAUP. Assistente no IST-UTL e investigadora do ICIST.

Um Bem Haja Caros Colegas
Ana do Vale

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O LUGAR como armadilha

O LUGAR como Armadilha Este texto é o resultado de uma reflexão que se fez mais especulativa do que crítica, à volta do tema LUGAR e sua relativa exaustão, a partir da reflexão e procura de representações simbólicas de Macau e do seu estado de contemporaneidade e de ultra-urbanização. Interessa interpretar o tema LUGAR como um meta-conceito: Através da definição da sua condição conceptual no extremo. Todo e qualquer lugar é carregadamente caracterizado pela sua objectividade inalienável, por tudo aquilo que o eleva de espaço a Lugar. Para atravessar esta fronteira, escolhemos uma única característica definidora de Lugar, simultaneamente genérica e objectiva: A ideia de que, quando pertencemos a um Lugar, estamos presos nele (a ele), qualquer que ele seja. Que há um sistema de fascínios que nos detém (no) ao lugar. Lugar enquanto Armadilha: a nossa experiência quotidiana, visual e sensorial funciona como um contínuo estímulo de preservação comportamental. Todos os conceitos de estabilidade e preservação estão associados à noção de lugar (território). O verdadeiro acto de viajar é um abismo, e por tal, pode-nos libertar de nós próprios: será que realmente viajamos, quando viajamos? Ou apenas reconhecemos sistemas de imagens familiares à nossa imaginação ARMADILHAda, como nas interrogações de Marcel Proust: quantas vezes temos de viajar até aprendermos a viajar? Apenas temos uma compreensão conceptual de um Lugar, quando nos conseguimos afastar (libertar) do dito Lugar: quando perdemos a saudade de o ausentar, e o vício de o desejar. Quando o lugar se emancipa de nós ou vice-versa. A Armadilha no Lugar: nem sempre a armadilha está escondida. A ideia de Lugar dá-nos por um lado a noção de identidade e orgulho de pertença, o lugar é essa ferida de onde vimos – cette blessure d où je viens – como uma cicatriz da noite; e no seu próprio reverso, (A ideia de Lugar) constrói em nós, como uma ARMADILHA, uma colagem do indivíduo ao seu comportamento cultural, às permanências, idiossincrasias, lugares comuns. Desde a opinião ao vestir, o que nos retém, nos define e identifica, passa por esta amarração ao lugar. Quando a forma melhor e mais barata de se sair de um lugar é sair virtualmente pelo ecrã de televisão: a libertação visual bidimensional é um vício de fuga sem fugir (para além dos seus outros 888 significados), é uma ficção de liberdade… A nossa relação fenomenológica com o real está condicionada pela impossibilidade de nos distanciarmos sistematicamente do nosso mundo, sem nos alienarmos dele. Também por isso, a capacidade de relativizar e desmultiplicar a noção do nosso LUGAR, não nos leva à esquizofrenia, mas a um estado de maior libertação. A cidade pode ser entendida como uma colecção de sítios maravilhosos que provocam o desejo e as fantasias mais inconfessadas das pessoas. Esta capacidade de encantar desencadeia o magnetismo que nos fixa aos lugares. A Armadilha torna o perigo atraente: a cidade é essa armadilha irrecusável.


Rui Leão, arquitecto
Caros Colegas penso que este artigo retrata qualquer coisa de util...
Um bem haja a todos...
Ana Do Vale

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

ARQUITECTURA: ESPAÇO E RITUAL

Arquitectura: Espaço e Ritual (1) Nos discursos que construímos a propósito dos objectos arquitectónicos e do espaço procuramos que, através da verbalização, o objecto dos nossos estudos seja tornado inteligível, racionalizável. Para melhor compreender os fenómenos que estudamos, empreendemos a sua observação, análise e descrição. Com frequência, recorremos a analogias que têm origem em disciplinas diferentes da nossa, sobretudo no universo da mecânica, da biologia, da linguística...(2) E, muitas vezes também, não nos damos conta do modo como essas analogias condicionam a nossa capacidade de observação. Construindo uma aparência de verosimilhança, elas podem ocultar a verdadeira natureza dos fenómenos e constituir-se, afinal, como verdadeiros obstáculos ao entendimento. Bem pelo contrário, alguns autores que se têm dedicado ao estudo do universo das relações sociais vêm elaborando quadros conceptuais nos quais o espaço e ao seu uso adquirem uma posição central. A vida dos sujeitos individuais e dos grupos humanos – das sociedades, em suma – na sua existência material, no espaço e no tempo, é aí abordada através do recurso a metáforas com uma clara base espacial(3). Parece-nos razoável que o uso dessas metáforas espaciais possa beneficiar também o estudo do espaço do ponto de vista do arquitecto, tanto enquanto suporte conceptual em actividades de análise, como enquanto base para as operações de síntese (ou seja, de projecto). Trata-se de metáforas que nos permitem ultrapassar a dimensão estritamente visual do espaço e da arquitectura, o primado da bidimensionalidade e da imagem que tanto têm confinado a prática e o debate arquitectónico contemporâneos. Que nos levam a procurar compreender o espaço a partir das práticas que nele são desenvolvidas pelos homens, ao longo do tempo, a partir das interacções que aí tomam lugar, através da definição de fronteiras, de limites e de passagens; dos jogos de poder que aí são negociados; pela comunicação que através dele é mediada, na representação e no improviso, na convenção e na subversão. A aprendizagem da observação dessas “práticas do espaço” – incluindo nesta noção tanto o uso do espaço como a sua concepção – conduz-nos à busca de um entendimento das relações entre o espaço, a cultura e a história; entre a conservação e a inovação; entre ensino e aprendizagem, produção e reprodução culturais; entre os espaços e a identidade dos grupos que os habitam. Ritos de passagem Uma das obras que mais terá contribuído para uma leitura espacial da sociedade é Les Rites de Passage, publicada em 1909 pelo antropólogo francês Arnold van Gennep (1873-1957). O longo subtítulo do livro sintetizava todo um programa de trabalho: \"estudo sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hospitalidade, da adopção, da gravidez e do parto, do nascimento, da infância, da puberdade, da iniciação, da ordenação, da coroação, do noivado e do casamento, dos funerais, das estações”. Pela primeira vez, o rito era tomado como objecto de estudo autónomo. Através de exemplos recolhidos em civilizações muito diversas, Van Gennep colocava em evidência a similaridade profunda das manifestações que se referem ao ciclo de vida do indivíduo, ao ciclo familiar, à passagem do tempo, aos ciclos das estações, dos dias, das tarefas da produção. Segundo Van Gennep, em qualquer tipo de sociedade, a vida individual “consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra”(4). Os ‘ritos de passagem’ configuram rupturas com o quotidiano, \'etapas intermediárias\' que assinalam e conferem sentido às transições entre estágios sucessivos da vida dos indivíduos. Os ritos associam-se a um \'antes\' e um \'depois\', constituem uma expressão da dinâmica social; assumem a condição de \'passagem\' de uma situação culturalmente determinada e reconhecida pela sociedade na qual estão integrados a uma outra situação igualmente determinada(5). Essas cerimónias operam através da comparação, do contraste e da contradição para distinguir e separar categorias que têm uma importância vital para a manutenção do grupo. Um rito de passagem é um acontecimento colectivo, que envolve coacção, e que permite avaliar o grau de integração na comunidade(6). Para os indivíduos, como para os grupos, diz Van Gennep, \"viver é continuamente desagregar-se e reconstituir-se, mudar de estado e de forma, morrer e renascer. É agir e depois parar, esperar e repousar, para recomeçar em seguida a agir, porém de modo diferente\"(7). Os ritos transformam essa ideia de renovação em drama, em encenação teatral; implicam um momento de morte, concebida como paralização da vida, e um renascimento subsequente(8). Os ritos têm uma estrutura sequencial idêntica à estrutura dramática clássica – um início, um meio ou clímax e um final – tal como Aristóteles a enunciou na Poética(9). Ou seja, os ritos assentam num esquema de progressão no tempo que lhes confere o carácter de acontecimentos eminentemente históricos; articulam-se com aquilo que os precede e com aquilo que se pressupõe, ou que se deseja, venha a suceder-lhes. Espaço e corpo. Passagens Van Gennep identificou as três fases que compõem a sequência típica dos ritos de passagem pelos termos ‘separação’, ‘margem’ e ‘agregação’. Em geral, ao longo de um processo ritual, o sujeito é separado do curso normal da vida e do grupo ao qual pertence; leva então uma existência marginal e fica sujeito a inúmeras regras, podendo ser submetido a ensinamentos e a provas físicas ou morais; finalmente, uma vez consumada a passagem, é reintegrado na vida normal da comunidade, assumindo o seu novo estatuto. Na grande maioria dos exemplos que recolheu, Van Gennep constatou que as passagens através das diversas situações sociais não são apenas metafóricas. Essas passagens envolvem transformações na ordem do corpo, são combinadas com passagens materiais e identificadas com elas: a entrada num povoado ou num edifício, a passagem de um quarto para ou outro; um salto ou a transposição de um limiar ou um pórtico, um percurso através das ruas ou das praças(10). Aquilo que se pode significar será a transposição dos \"limiares do verão ou do inverno, da estação ou do ano, do mês ou da noite, limiar do nascimento, da adolescência ou da idade madura, limiar da velhice, limiar da morte\"(11). A partir da equivalência entre as passagens no tempo e as passagens no espaço, Van Gennep conceptualiza o mundo social como uma deslocação no tempo e no espaço. A sociedade seria como uma unidade espacial com uma série de divisões no seu interior. Cada indivíduo estaria \"classificado em diversos compartimentos, sincrónica ou sucessivamente, e, para passar de um ao outro a fim de poder reunir-se com indivíduos classificados em outros compartimentos\" seria obrigado a submeter-se a ritos de passagem, ao longo da sua vida e da sua trajectória social(12). Para explicitar esta referência às transições espaciais, Van Gennep designou igualmente as três fases do rito pelos termos ‘preliminar’, ‘liminar’ e ‘pós-liminar’, decorrentes de limen – o vocábulo latino para soleira ou limiar. Deste modo, confere uma posição central à condição de ‘liminaridade’ e remete para posições periféricas aquilo que a antecede e que lhe sucede (pré- e pós-). O rito define limiares, ou limites, no território, em relação aos quais se estabelece a discriminação entre espaços profanos e espaços sagrados. Ficava assim sublinhada a importância fulcral da situação liminar ou de margem – simultaneamente ideal e material definida como uma zona neutra, “flutuando entre dois mundos”(13). O fenómeno da \'margem\' corresponderá à necessidade de existência de um \'ponto morto\' separando dois movimentos de sentido contrário; da necessidade fundamental de regeneração das actividades biológicas ou sociais, em intervalos mais ou menos aproximados(14). Como notou Van Gennep, é frequente nas práticas rituais existir uma relação de identidade entre as passagens físicas, materiais, e as passagens ideais ou metafóricas. Desse modo, o ritual torna evidente a importância metafísica que os indivíduos e os grupos investem na sua prática efectiva do espaço. Ao mesmo tempo, o ritual transforma essa prática corporal, sensível, localizada, numa experiência partilhada, memorizável, reprodutível e reprodutora. São numerosas as referências que recolheu sobre as formalidades de ordem mágico-religiosa associadas às fronteiras físicas(15). Enuncia os sinais físicos através dos quais se exprime a apropriação dos espaços e as interdições que lhe são associadas: os limites a transpor – os limiares podem ser definidos por marcos naturais (rochedos, árvores, um rio, um lago...) ou por construções humanas especialmente implantadas com essa intenção (postes, pórticos, pedras verticalizadas, muros, estátuas...). Nas culturas tradicionais, as vias de comunicação naturais têm frequentemente o valor de obstáculos a transpor: a passagem dos desfiladeiros ou a travessia de rios é, muitas vezes, acompanhada com ritos de passagem(16). De modo semelhante, “o embarque ou o desembarque, o acto de subir para uma carruagem ou um palanquim, de montar a cavalo para viajar, etc., acompanham-se muitas vezes de ritos de separação na partida e de ritos de agregação na volta”(17). Os exemplos de Van Gennep reportam-se a todas as escalas do espaço, ao país, a um território, uma cidade ou uma aldeia, um quarteirão, um templo ou uma casa. A margem – a zona neutra definidora do limite, isto é, a zona liminar – corresponderá então à portagem, à poterna das muralhas, à porta dos muros do bairro, à porta da casa, ou apenas a uma pedra, uma viga, uma soleira. Mas pode também adquirir a definição de um pronau, um nártex ou um vestíbulo. A porta, em especial, “é o limite entre o mundo estrangeiro e o mundo doméstico, quando se trata de uma habitação comum, entre o mundo profano e o mundo sagrado, no caso de um templo”(18). O carácter sagrado da porta pode ser reconhecido ao conjunto da moldura ou, de modo isolado, à soleira (limiar), aos lintéis ou à arquitrave. Por vezes, “o valor sagrado da soleira encontra-se em todas as soleiras da casa”(19) e podem identificar-se ritos de soleira que cobrem as diversas modalidades dos ritos de passagem: ritos de entrada, de espera e de saída(20). Rituais profanos. Rituais contemporâneos A análise do rito tem vindo, entretanto, a alargar-se às suas formas mais profanas e menos colectivas(21). Admite-se hoje que sempre existiram ritos profanos, sob a forma de ritos da alimentação, do trabalho, do desporto, da guerra, da justiça ou da escola(22). Tal como sempre sucedeu, nos nossos dias o rito marca \"rupturas e descontinuidades, momentos críticos (passagem) tanto nos tempos individuais como nos sociais; (...) ordena a desordem, dá sentido ao acidental e ao incompreensível, dá aos actores sociais meios para dominar o mal, o tempo e as relações sociais\"(23). Não existe acordo quanto a uma definição canónica e consensual do rito. Contudo, para aqueles que se ocupam do projecto dos espaços e dos objectos que servem de suporte à vida quotidiana (urbanistas, arquitectos, paisagistas, designers...) parece especialmente significativa a constatação de que o rito é caracterizado universalmente por \"uma configuração espacio-temporal específica, pelo recurso a uma série de objectos, por sistemas de comportamento e de linguagem específicos e por sinais emblemáticos cujo sentido codificado constitui um dos bens comuns de um grupo\"(24). A essência da dimensão espacial, e sobretudo corporal, observada nos rituais foi sublinhada por David Parkin(25). De acordo com este autor, \"o ritual é fundamentalmente feito de acção física\" e composto por \"movimentos corporais em direcção ou posicionando-se em relação a outros movimentos e posições corporais\"(26). Todos os rituais são inscritos no espaço, ordenados em fases e sequências; implicam movimento, direccionalidade (eixos, pontos cardeais, zonas concêntricas e outras expressões de orientação espacial) e posicionamento; implicam um percurso de passagem empreendido e/ ou marcado pelos participantes, dispostos no espaço uns em relação aos outros. O ritual adquire a \"capacidade de criar e agir\"(27), através de ideias de espaço (passagem, movimento, mudança, percurso, eixo, centro, subir e descer); a orientação espacial e a posição, os movimentos entre pontos e lugares são os meios que constituem o próprio ritual (e só através deles os rituais podem ser descritos). Fundação e apropriação Aceitemos pois que os ritos têm a sua expressão essencial através das práticas corporais do espaço. Reciprocamente, toda a prática corporal do espaço implica dimensões que ultrapassam a sua mera descrição física: integra um sistema de classificação e de simbolização no qual as práticas rituais são parte fundamental. Sabemos, desde que Émile Durkheim (1858-1917) publicou Les Formes Élèmentaires de la Vie Religieuse, (1912), que o espaço do homem não é uma entidade natural e abstracta, mas sim culturalmente construída. O espaço existe apenas em potência; é a acção humana que o concretiza. Para pensar o espaço, para o representar, \"para poder dispor espacialmente as coisas, é preciso poder situá-las diferentemente\". Para que tal aconteça, diz Durkheim, o espaço é dividido, são-lhe impostas diferenças que ele, em si próprio, não possui: direita e esquerda, em cima e em baixo, à frente e atrás, norte e sul. Essas divisões são construção humana, decorrem da atribuição colectiva de \"valores afectivos diferentes\" a cada uma das regiões do espaço(28). Distingue-se o espaço concebendo um modo de classificação, determinando relações de coordenação ou de subordinação, níveis de dependência, uma ordem hierárquica(29). Assim, cada apropriação de um território – mesmo quando não assuma uma forma explicitamente ritualizada repete o acto fundador original. Impõe uma ordem anteriormente inexistente, transforma o caos primordial em cosmos; define um \'centro\', estabelece \'fronteiras\' (físicas ou simbólicas). As classes culturalmente reconhecidas podem então ser separadas, cada uma confinada ao lugar onde é admitida: interior e exterior; público e privado, sagrado e profano, nosso e deles... O mundo natural (exterior e hostil) é transformado em mundo cultural (assimilado, consumido); cria-se um teatro de acção, o campo necessário a qualquer actividade(30). A antropóloga Mary Douglas ilustra este processo – a sua universalidade e permanência – com o exemplo das tarefas domésticas de arrumação, através das quais \"separamos, traçamos fronteiras, tornamos visíveis decisões que tomámos sobre o que deve ser o nosso lar e que achamos por bem criar a partir da dimensão material da casa\"(31). Comportamento ritual e projecto arquitectónico Foi já defendido que existe uma relação estreita entre a organização sociopolítica e cultural de um grupo e a segmentação que este estabelece no seu espaço de vida(32). Essa segmentação materializa-se na compartimentação da arquitectura, na separação de objectos, na definição de \'cenários de interacção\'(33) especializados e distintos entre si, destinados a situações e actividades específicas. Deste modo se entende que, nas sociedades urbanas e industrializadas da contemporaneidade, a fragmentação da vida social em campos diversos (religioso, escolar, profissional, desportivo, cívico) implica uma disjunção dos espaços e dos tempos destinados ao desempenho dos rituais correspondentes. Os contextos espaciais destinados ao desempenho de rituais em sociedades tradicionais têm sido apontados como exemplares daquilo que pode considerar-se “uma condição mínima para a arquitectura: apenas a suficiente definição espacial para permitir que a coreografia partilhada seja levada a cabo\"(34). Muitas vezes, a materialidade dessa intervenção é tão discreta que passa despercebida a elementos estranhos ao grupo e é tão frágil que necessita ser recriada a cada novo desempenho. O processo assemelha-se ao modo como as crianças transformam a rua num lugar para jogar à macaca ou para uma partida de futebol. Em ambos os casos, existe um gesto arquitectónico fundamental, um \"artifício que declara a presença humana\". É ele que garante a estrutura do acontecimento no tempo, que dá expressão às relações entre os actores e estabelece a ligação entre toda a sequência. Nestes exemplos, verifica-se uma completa harmonia entre o cenário e o conjunto de regras implícitas através das quais ele é usado. Pode falar-se então da existência de um ‘ritual de sustentação’ (sustaining ritual), sob a forma de uma “actividade socialmente reconhecida repetida regularmente que afirma e reafirma o valor e o significado do espaço”(35); uma prática que é, simultaneamente, factor de agregação do grupo, de sustentação de determinado modo de vida, base da definição e do uso do espaço e da arquitectura. Tal como nas culturas tradicionais, também no mundo contemporâneo a necessidade atribuir lugares a determinadas actividades, nos quais estas possam fixar-se e desenvolver-se de modo favorável, surge apenas à medida que essas actividades ganham definição e estabilidade e se dotam de uma pauta colectiva. Chamado a intervir, o arquitecto procurará então encontrar a \'justa acomodação\' dessas necessidades, estabelecendo um vínculo profundo entre a arquitectura – a “operação através da qual a actividade assume uma forma estável” – e as regras sociais que têm uma das suas principais formas de expressão nos comportamentos rituais. Sempre que um grupo dá expressão ritual a determinada actividade, estará já implicitamente a definir a arquitectura que lhe corresponde. De modo recíproco, \"toda a verdadeira arquitectura gera uma ritualização dos nossos actos”(36). Deste ponto de vista, o rito é \"o ponto de união ou de tangência entre o mundo da forma e o da actividade: o único ponto através do qual pode traçar-se a arquitectura\". Por conseguinte, a arquitectura será apenas “um procedimento capaz de dar forma à actividade, impondo-lhe umas regras que, apesar de serem próprias da forma, encontram na actividade uma correspondência analógica”(37).Dito de outro modo, a arquitectura será \"pouco mais que aquilo que torna possível o rito, um simples cenário para o acontecer humano”(38). Smithsons e Van Eyck: do doorstep a la plus grande réalité du seuil Nos debates que moldaram a cultura arquitectónica contemporânea do período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, o tema do \'limiar\' foi introduzido por iniciativa dos ingleses Alison Smithson (n. 1927) e Peter Smithson (n. 1923), na nona edição dos Congrès Internationaux d’Architecture Moderne (CIAM 9; Aix-en Provence), em 1953. Os Smithson apresentaram as suas ideias sobre o \'doorstep\' soleira, referindo-se à extensão da casa sobre o espaço público imediato, à transição entre o interior doméstico e a rua. Em boa medida, as suas observações partiam das investigações sobre os padrões de associação quotidiana entre a população operária de um bairro do East End de Londres então empreendidas pelo fotógrafo Nigel Henderson e pela socióloga Judith Stephen. Adoptavam o ponto de vista das crianças, para quem a aprendizagem do domínio da soleira representa o começo da extensão do espaço familiar à esfera social(39). E concluíam que a rua era mais do que um simples meio de acesso, era como que um palco da expressão social no qual eram gerados a identidade, os laços sociais, a sensação de segurança e de bem-estar(40). Logo depois, o holandês Aldo Van Eyck (1918-1999) tomou o conceito de soleira e alargou-lhe o sentido. Alimentando a sua reflexão com contributos de fontes muito diversas (das vanguardas artísticas do início do século XX à filosofia, das ciências exactas à antropologia), Van Eyck ia recuperar o sentido ritualizante do espaço e elevar a liminaridade a princípio fundamental de toda uma construção teórica e poética da arquitectura e do lugar(41). Para Van Eyck, a ideia de limiar era algo que tinha capacidade para reestabelecer a ligação entre todas as polaridades da realidade, entre todos os aspectos ambivalentes e complementares que o arbitrário cultural transforma em antinomias. No CIAM 10 (Dubrovnik, 1956), lançou o mote \"la plus grande réalité du seuil\" – o limiar como símbolo da essência da arquitectura. In-between, lugares intermédios Tomando o sentido literal do limiar, Van Eyck sublinhava o carácter humano, relacional, da porta, lugar de \"um gesto humano maravilhoso: a entrada e a saída conscientes\". A porta, afirmava, \"enquadra-nos à chegada e à partida, é uma experiência vital não apenas para aqueles que a transpõem mas também para aqueles que encontramos ou deixamos atrás dela. A porta é um lugar feito para uma ocasião. A porta é o lugar feito para um acto que é repetido milhões de vezes numa vida, entre a primeira entrada e a última saída\"(42). Defendia que a porta não deve ser uma fronteira abrupta, uma simples superfície dividindo dois domínios. Nem, tão-pouco um contínuo espacial, onde a articulação entre uma realidade e a outra se dilui; onde o interior se funde no exterior, gradualmente, de modo insensível. A porta, dizia, deve ser um lugar articulado que pertence tanto ao interior como ao exterior, um lugar onde os aspectos significantes de ambos os lados estão simultaneamente presentes. A porta devia expandir-se e adoptar uma forma capaz de evocar as boas-vindas, de constituir um convite à pausa, à permanência. Todos os limiares deviam constituir lugares intermédios articulados –in-betweens–, nos quais as polaridades espaciais pudessem encontrar-se e ser reconciliadas num composto binário fundamental. Esses \"lugares intermédios claramente definidos\" seriam responsáveis por articular as transições, de modo a induzir \"o conhecimento simultâneo daquilo que é significativo do outro lado\". Com esta proposta, Van Eyck colocava-se em clara oposição a um valor matricial de grande parte da produção arquitectónica contemporânea: a procura de continuidade espacial, manifestada através da “tendência para eliminar todas as articulações entre espaços, isto é, entre o exterior e o interior, entre um espaço e o outro\"(43). Bem pelo contrário, segundo Van Eyck, os intermédios/ in-betweens deviam ligar as polaridades deixando lugar para o imponderável, para \"as múltiplas actividades, desejos, necessidades e fraquezas do homem\"(44). Estes intermédios deviam ser concretizados em todos os níveis da realidade construída, tanto na forma como na estrutura, e criar aquilo a que Van Eyck chama uma \'paisagem da reciprocidade\', um ambiente construído no qual todas as coisas são simultaneamente pequenas e grandes, parte e todo, casa e cidade, simples e complexas, unitárias e distintas(45). Como \'princípio básico\' para o projecto, tanto em arquitectura como em urbanismo, Van Eyck recomendava que se o arquitecto reestabelecesse sempre o equilíbrio de cada conceito através da introdução do pólo que se opõe (como interior X exterior, pequeno X grande, parte X todo, simples X complexo, unidade X diversidade, aberto X fechado, muito X pouco, movimento X repouso, perto X longe, ordem X caos, claro X labiríntico, massa X espaço, passado X futuro, orgânico X inorgânico, claro X escuro, individual X colectivo, arquitectura X urbanismo, casa X cidade, antigo X novo). Desse modo, criando um \'fenómeno dual\' ou \'fenómeno gémeo\', os dois pólos em tensão seriam reconciliados. \"O melhor modo de proporcionar uma realidade básica é proporcionando a realidade gémea da qual ela foi arbitrariamente dividida\"(46). Para Van Eyck, esta noção de \'fenómeno gémeo\' não correspondia a uma \'síntese dos opostos\' na tradição hegeliana, na qual o conflito entre uma tese e uma antítese se resolve através da geração de uma categoria superior. Num fenómeno gémeo, os pólos opostos não se anulam; confrontam-se numa relação não-hierárquica, mantém-se reconhecíveis como opostos e enriquecem-se mutuamente; o seu sentido será reforçado quando são observados a partir do outro extremo(47). \"Estou interessado na ambivalência, não na equivalência. Não estou interessado na unidade dos opostos\"(48), dizia. As imagens que usava para ilustrar esta ideia são esclarecedoras. Trata-se, afirmava, de dar forma a uma ligação paradoxal, de gerar \"um lugar onde os dois pólos estão simultaneamente presentes e onde as suas tendências opostas se activam mutuamente, como se fossem cores complementares\". Ou, tomando uma imagem a Heraclito, colocar as forças em oposição na tensão certa, como aquela que, numa lira, junta o arco e a corda e faz deles uma unidade harmoniosa(49). Desta forma, Van Eyck reclamava as tensões, as oposições, as fronteiras, reforçadas pelo confronto, harmonizadas e integradas, em complementaridade. Contra as hierarquias fixas e as fronteiras rígidas, contra todos os dualismos, contra a neutralidade e a continuidade sem articulação, contra a diluição das identidades, reafirmava o sentido ritual das práticas do espaço. Na visão generosa e estimulante de Aldo Van Eyck, todos os espaços, a todo o momento, devem estar destinados à passagem e ao encontro. Devem ser espaços intermédios e intermediários, articulados e articuladores. Estarão abertos, disponíveis para receber este e aquele, nós e os outros, cada um e o seu oposto. Devem ser isto e aquilo, sempre \'betwixt and between\'.
João Paulo Martins, arquitecto, professor auxiliar da FA UTL
Bom Trabalho caros colegas!
Ana do Vale

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Turismo Infinito | Teatro e cenografia | Exposição















Teatro e Cenografia | Exposição
Coimbra, de 7 a 29 de Fevereiro

A exposição da cenografia da peça "Turismo Infinito" da autoria do Manuel Aires Mateus, com encenação de Ricardo Pais e produção do Teatro Nacional S. João, inicia a 7 de Fevereiro o ciclo "teatro e cenografia" organizado pelo Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV).

Este ciclo tem como objectivo apresentar a cenografia contemporânea enquanto cruzamento de linguagem teatral e expressão arquitectónica.

Datas:
De 7 a 29 de Fevereiro de 2008
De Segunda a Sexta, 10:00h-12:00h, 14:00h-22:00h | Sábados 14:00h-22:00h | Encerrado ao Domingo


Contactos: Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV)
Morada: Praça da República
3000-343 Coimbra
Telef.: 239 855630
| 239 855637
e-mail: teatro@tagv.uc.pt


Mais Informações: http://dupond.ci.uc.pt/tagv/evento.asp?evtid=1183

Já sei que até ao dia 15 é impossível... mas depois...
Bom trabalho
Paulo

sábado, 9 de fevereiro de 2008

A Unidade Urbana

Um dos problemas mais graves do urbanismo e da arquitectura actuais é a unidade urbana. Essa harmonia de prédios, de volumes, alturas e espaços livres que constitui a arquitectura de uma cidade.

O problema é antigo e tão importante que em épocas passadas, na França por exemplo, ao se criar uma praça e nela construir um palácio, construía-se, ao mesmo tempo, as fachadas dos futuros prédios nela previstos.

Isso mostra como era importante o problema da unidade urbana, problema que com o correr dos tempos foi sendo esquecido e hoje completamente desprezado. Daí resultou essa confusão arquitectónica em que vivemos, desfigurando os conjuntos urbanos de todas as cidades modernas.

É evidente que, antes, a própria simplicidade construtiva, a repetição natural de velhos elementos da arquitectura, a regularidade de volumes, alturas etc., permitiam aquela unidade tão desejada, condições favoráveis hoje desaparecidas diante da imensa variedade de formas e materiais de que dispõe a arqui- tectura contemporânea. É claro que isso não serve de pretexto, nem impede que os responsáveis pelas nossas cidades sejam mais integrados no problema. Fácil Ihes seria, se estivessem realmente interessados no assunto, criar normas protectoras, definindo volumes, alturas, cores e materiais de acabamento, decisões canazes -como um denominador comum -de manter a unidade desejada.

Mas nada disso ocorre e a confusão existente é aceite e permitida sem discussão. Ao projectar seus edifícios o arquitecto esquece a relação que deveria existir éntre eles e o ambiente no qual serão inseridos e a ideia do show arquitectural prevalece e a unidade urbana, já tão ofendida, ainda mais se agrava.

Estas explicações não visam sugerir ao arquitecto uma limitação arquitectónica que o desacerto existente não pode exigir, mas apenas lembrar o problema. Um problema que desmerece nossas cidades e sobre o qual um dia poderão ser chamados a opinar.

Na arquitectura de Brasília esse problema nos preocupou. A ideia era dar inteira liberdade (respeitados afastamentos, volumes e alturas estabelecidos) aos prédios isolados, procurando manter a unidade arquitectural -como no sector bancário por exemplo -, recomendando a utilização dos mesmos aca- bamentos externos, cores, etc., dentro dos volumes pré-fixados.

No resto nenhuma regra impusemos, mesmo quando acontecia de a solução não nos agradar.

In Conversa de arquitecto, Oscar Niemeyer – 1993 – ISBN 972-610-036-4

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

ARTES DO ESPAÇO: ARQUITECTURA/CENOGRAFIA

Pontes entre arquitectura e arte depois do século XX são numerosas, o mundo altera-se rapidamente, e no domínio das artes nenhuma disciplina guarda um sentimento autónomo. Mesmo a arquitectura, arte tradicionalmente isolada, não escapa a este fenómeno. Cada vez mais ela é palco das novas culturas visuais e tecnologias contemporâneas.
As experiências artísticas da década de sessenta alteraram a forma do observador olhar e percepcionar a obra de arte. O espectador deixou de estar perante o objecto artístico e passou a estar dentro do próprio objecto. Este princípio alterou em muito a concepção espacial que passou a ser desde então um grande centro de interesse de qualquer prática artística. No campo das artes plásticas os artistas começaram a extravasar as paredes brancas das galerias e começaram a apresentar os Happenings, como novo conceito artístico onde aproximavam, artistas e público, arte e realidade. No campo das artes cénicas estas experiências vieram a centrar-se essencialmente na relação entre espectador-actor, e espectador-espaço cénico, foi assim que pela primeira vez apareceu o desejo de escapar à sala de teatro tradicional com a sua caixa cénica e o “palco à italiana”. Com todos estes novos interesses, surgiram nas diferentes artes novas perspectivas e teorias espaciais, explorando tanto o seu lado construtivo como o seu lado metafórico e utópico.
Hoje em dia, artistas plásticos como Richard Serra, Eduardo Chillida, Vito Acconci, Gordon Matta-Clark, Bruce Nauman, Rachel Whiteread, James Casebre, Wolfgang Laib entre outros, trabalham e questionam temas que sempre entendemos como temas arquitectónicos (concepção espacial, território, espaço público e espaço privado). Os limites entre arte e arquitectura tornaram-se assim cada vez mais ténues, possibilitando cada vez mais o cruzamento de técnicas e conceitos entre disciplinas artísticas. Neste campo a cenografia tem vindo a contribuir de uma forma muito clara.
Ao longo do século XX, a cenografia foi deixando de ter um carácter mimético, e em vez de imitar um lugar do mundo como forma de caracterizar a acção teatral, passou ela própria a construir um lugar para as suas personagens e até mesmo para os seus espectadores. Começou então a desenvolver com maior intensidade temas tradicionalmente arquitectónicos ligados à tridimensionalidade do espaço como luz, sombra, cor, escala e perspectiva. Com estes novos temas, a cenografia afastou-se da pintura (arte com que se relacionava tradicionalmente) e aproximou-se da arquitectura.
Adolphe Appia foi um dos teóricos teatrais mais importantes da renovação das teorias de encenação europeias do início do século XX. O grande fundamento de todo o seu trabalho foi sempre tentar trazer para o teatro e para a dança, a continuidade e unidade entre a presença corporal e o espaço cénico, com forte influencia do conceito Wagneriano de obra de arte total, Appia defende a sensibilização do homem no espaço arquitectónico, e cria o novo conceito de obra de arte viva. Desde os anos vinte que as suas teorias apontavam para que a cenografia trabalhasse essencialmente com a manipulação do espaço. Para Appia o espaço cenográfico teria de ser organizado segundo aquilo que ele chamava os quatro elementos expressivos: o actor – a figura humana, a implantação, a iluminação e a cor. Para a criação de um cenário estes quatro elementos independentes teriam de ser subordinados uns aos outros e conjugados com a música e os seus ritmos constituindo assim uma paisagem cénica forte, coesa e abstracta.
Hoje em dia podemos rever algumas destas teorias espaciais no trabalho de alguns artistas que embora afectos a uma área artística, produzem obras em campos transdisciplinares. O trabalho de Sasha Waltz, no campo da coreografia, reflecte bem como a arte pode ser feita de corpo, espaço e movimento. Com os seus trabalhos mais uma vez se coloca a questão do lugar e do estatuto da arte enquanto objecto ou acto. E por consequência a questão da essência da arquitectura. Talvez por ter tido uma relação muito próxima com arquitectura (filha de arquitectos) as obras de Sasha Waltz demonstram um grande cuidado com uma visão poética do espaço. Os ambientes criados para 99 Dialogues, NoBody ou Körper sempre tratados como mais uma personagem interveniente no espectáculo são espacialmente muito expressivos e testemunham a sua permeabilidade à arquitectura.
Encenado pela primeira vez na inauguração da extensão do Museu dos Judeus em Berlim, 99 Dialogues é um espectáculo que pretendia dialogar com espaço arquitectónico envolvente, projectado por Daniel Libeskind. Sasha Waltz distribuiu os seus bailarinos em pequenos grupos pelo museu condicionando a passagem do público. Os seus corpos faziam o contrapondo com as paredes inclinadas do museu e ajudavam a alertar o público para o drama do Holocausto. Em körper (4), um único plano vertical, preto serve de cenário. No centro deste plano uma abertura, feita à semelhança de uma janela, vai alterando a sua expressão conforme a luz. Esta janela umas vezes põe em evidencia a acção, e nela deslizam silenciosamente os corpos dos bailarinos, outras vezes anula-se perante o fundo negro do espaço envolvente. Na relação entre acção e objecto arquitectónico, este foi um primeiro passo para o espectáculo criado para ser representado no Festival d’Avignon em 2002 no Pátio principal do Palais des Papes. Sobre uma fachada repleta de história Sasha Waltz faz deslizar um cubo branco feito de tela. Um objecto neutro dentro de um “vazio” carregado de história. O edifício existente é vertical e repleto de janelas, Sasha Waltz ocupa o espaço na sua totalidade. Ela investe nas janelas góticas com um jogo de luzes, e aplica-lhes imagens radiográficas dos seus bailarinos, transforma-os em vitrais contemporâneos. Uma maneira plástica de revelar o corpo com a luz e com a cor. Enquanto os bailarinos se movem em grupo, um enorme balão flutua sobre as suas cabeças, este balão equilibra o vazio angustiante provocado pela verticalidade do pátio. Momentos depois o balão solta-se das suas amarras, flutua por uns instantes sobre o pátio e pousa delicadamente sobre a cena, envolvendo-a. Com este espectáculo Sasha Waltz capta o espírito do espaço e revela-lo ao seu público.
Nas representações de Sasha Waltz é sempre possível apreender uma forte relação entre a acção e o espaço cénico seja ele um lugar com grandes memórias arquitectónicas ou um espaço mesmo banal: em twenty eight (1993) o cenário é uma cozinha, em Tears break fast (1994) o cenário é uma casa de banho e um bar, em Allee der Kosmonauten (1996) o cenário é constituído por um prédio com nove andares, em zweiland (1997) sobre o palco existe a representação do muro de Berlim. Em todos os espectáculos, e sem cessar existe uma grande vontade de Sasha Waltz constituir uma leitura critica para o espaço cénico apresentado através das acções que propõe.
Como vimos anteriormente, tal como grande parte das artes contemporâneas a cenografia, trabalha essencialmente com a manipulação do espaço, mas à semelhança da arquitectura a cenografia só se completa no momento em que os seus espaços se preenchem de acções, histórias, movimentos e personagens. Embora grande parte das artes, hoje em dia se interesse por questões espaciais, a cenografia é a única arte que tal como a arquitectura configura espaços tridimensionais e os prepara para diferentes acções humanas ainda que sejam simulações. O espaço teatral contemporâneo questiona de diversas maneiras os códigos perceptivos utilizados até então, mostra a relatividade espacial e aproxima-se da arquitectura.
Os espectáculos de Sasha Waltz como de outros artistas contemporâneos apresentam-se ao espectador com um forte carácter transdisciplinar questão que pode possibilitar o diálogo entre diferentes áreas artísticas. O meio da arte pode permitir encontrar espaços de reflexão e de produção difíceis de explorar na arquitectura. A sobreposição de diferentes artes, linguagens ideias e técnicas, sempre encarada como uma partilha e não como uma sobreposição de teorias pode constituir uma mais valia para a produção arquitectónica.
Gabriela Gonçalves, Arquitecta Docente de Projecto na Universidade Lusíada Doutoranda da área de Proyectos Arquitectónicos da Universidade de Valladolid
Tropecei neste texto e pensei que seria importante que todos o lessemos, afinal de contas nos somos a geraçao da imagem, do cenário...
Um bem haja caros colegas...
Ana do Vale

domingo, 20 de janeiro de 2008

Rodrigo Leão

Hoje, o (já nosso) Rodrigo substituiu Nyman e Glass aqui no atelier de casa.

Fica a partilha e a inspiração.

Aproveitem e vejam no you tube:

Portugal, um retrato social : http://www.youtube.com/watch?v=uIdke2gFink&feature=related

Entrevista Rodirgo Leão: http://www.youtube.com/watch?v=dLwME5pJokA&feature=related

Vale bem a pena comprar o cd.

Até amanhã e boa semana.

Paulo

sábado, 19 de janeiro de 2008

Peines del Viento | Luis Peña Ganchegui e Eduardo Chillida







Na sequência de uma conversa com a Tânia, alusiva obviamente à temática que estamos a trabalhar, surgiu meio por acaso este projecto.

Trata-se essencialmente da qualificação de um remate de costa.

A materialidade é poderosa, expressiva... mar, rocha e ferro forjado. As peças de ferro de 11 toneladas são da autoria do escultor Eduardo Chillida. Trata-se de uma poderosa frente marítima, que proporciona ventos e ondulações possantes, estas ultimas aproveitadas no projecto por "chaminés", que por acção das ondas formam colunas de vento ascendente, em dias de grande ondulação, enormes repuxos de espuma.

Acreditem que era dos projectos que não me importava nada de ver ao vivo.
Deixo-vos aqui algumas imagens e alguns filmes, visto que também não disponho de grande informação sobre o projecto. Adiciono ao que escrevi o ano de projecto (1977), Espanha, San Sebastian.

Bom dim-se-semana
Paulo

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Casa Tólo





A casa Tólo, da autoria do Arquitecto Álvaro leite Siza situa-se no distrito de Vila Real e é na minha opinião um bom exemplo da adaptação do projecto ao terreno, de forma a potenciar plataformas exteriores, piscina e criar espaços inovadores e surpreendentes.
Promotor: Luís Marinho Leite Barbosa da Silva (Tóló)
Localização: Lugar das Carvalhinhas, Alvite, Freguesia de Cerva, Concelho de Ribeira da Pena
Data: 2005
Tânia

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Apoio a banhos de mar | Lourinhã, Portugal













Num contexto de desenho inclusivo, deixo-vos aqui este estudo para a praia do paimogo.

Parte das reminiscências de um viveiro há muito abandonado, tem essencialmente a virtude de trabalhar com os ciclos das marés.

Pessoalmente, parece-me que lhe falta (ou não é legivel) uma relação de ligação a um sistema de acesso marginal, provavelmente a um espaço de mediação entre a orla marítima e o interior. Neste momento, parece-me que tem um carácter algo peninsular, seja como for é interessante no aproveitamento de uma pré-existência.

Mais detalhes em: http://www.casadavizinha.eu/projectos/apoio-a-banhos-de-mar-39.html

Local: Praia de Paimogo (estudo de caso)
Data: 2007
Arquitectura e coordenação: Carlos Mourão Pereira
Colaboradores: Pedro Ferreira (colaborador principal), Ana Luísa Pedroso, Daniel Oliveira Franco, José Jorge Coelho, Luís Fonseca Rasteiro e Miguel Carvalho
Consultoria em Acessibilidade: Jorge Falcato Simões
Consultoria em Biologia Marinha: Ricardo Melo
Consultoria em Paisagismo: Inês Campilho Chaves
Consultoria em Sustentabilidade: Manuel Correia Guedes
Estruturas: Miguel Villar Águas e Esgotos: Filipe Rego

Paulo G

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Órgão do Mar | Zadar, Croácia

































Situado na costa de Zadar uma cidade da Croácia, encontramos o Órgão do Mar, degraus cravados em rochas que têm em seu interior um sistema de tubulações que, quando empurradas pelos movimentos do mar, forçam o ar e, dependendo do tamanho e velocidade da onda, criam notas musicais, sons aleatórios.



Construído em 2005 e ganhador do prémio europeu para espaços públicos (European Prize for Urban Public Space).



Zadar é uma cidade da Croácia foi duramente castigada durante a 2º Guerra Mundial.
A criação do Órgão foi também uma iniciativa para devolver um pouco do que o lugar perdeu com tanta destruição e sofrimento.
Cidade: Zadar (Croácia)
População: 82.680 Habitantes
Autor do projecto: Nikola Bašic
Participantes: I. Stamac, V. Androcec, T. Heferer,
Inicio do projecto: 2004
Inicio da empreitada: 2004
Final da empreitada: 2005
Área de intervenção: 1.700 m²
Custo: 240.000 €
Gestor de projecto: Marinaprojekt d.o.o. Zadar
Empreiteiro: Tankerkomerc d.o.o. Zadar, Pomgrad d.o.o. Split, Jadrankamen d.o.o.


Links:


" ANCHORING" Steven Holl

A relação da escrita com a arquitectura apenas espelha incerteza quanto à evidência. Antes, é no silêncio sem palavras que, num acaso, surge a melhor possibilidade de encontrarmos a zona de espaço, luz e matéria que se diz arquitectura. Porém, as palavras, ainda que limitadas a esta evidência, constituem uma premissa, pois o trabalho força-se a continuar mesmo quando elas já não o conseguem. As palavras são setas apontadas a direcções precisas e, em conjunto, formam um mapa de intenções arquitectónicas.

Assim sendo, introduzem-se alguns excertos de pensamento que, nos últimos dez anos, têm sido catalizadores dos projectos em seguida apresentados.

ANCHORING. A Arquitectura está limitada à situação. Ao contrário da música, pintura, escultura, cinema e literatura, a sua construção (não-móvel) encontra-se entrelaçada com a experiência de um lugar. Mais que um mero ingrediente na respectiva concepção, o sítio de um edifício é a sua fundação física e metafísica.

A resolução dos aspectos funcionais do sítio e do edifício - perspectivas, ângulos solares, circulação e acesso - é a "física" que procura a "metafísica" da arquitectura. Através dum elo, um estímulo alargado, um edifício é mais do que algo apenas moldado para o sítio.

Edificar transcende as exigências física e funcional pela fusão com um lugar, pela concentração do significado de uma situação. A Arquitectura, mais que intrometer-se numa paisagem, serve para explicá-la.

Iluminar um lugar não é uma reprodução simplista do seu "contexto". Revelar um aspecto dum lugar pode não confirmar a sua "aparência". Ou seja, os habituais modos de ver podem bem ser assim perturbados.

A Arquitectura e o sítio devem criar uma conexão experimental, uma ligação metafísica, uma ligação poética.

Quando uma obra de arquitectura consegue fundir edificação e situação, uma terceira condição emerge. Nesta terceira entidade, unem-se denotação e conotação, isto é, a expressão liga-se à ideia associada ao sítio. O que é sugestivo e implícito constitui-se como duplicado numa intenção.
Um edifício tem um sítio. Desta situação única, emergem as suas intenções. Edifício e sítio têm estado interdependentes desde a origem da Arquitectura. No passado, esta ligação era manifesta sem intenção consciente, quer através do uso de materiais e técnicas locais, quer pela associação da paisagem aos factos da história e mitologia. Hoje, a ligação entre sítio e arquitectura deve ser encontrada de novas maneiras, enquanto parte duma transformação construtiva da vida moderna.

As ideias aperfeiçoadas desde a primeira percepção do sítio, a meditação sobre os pensamentos iniciais ou a reconsideração da topografia existente, podem tornar-se o enquadramento da invenção. Este modo de invenção concentra-se a partir dum espaço relativo, distinto do espaço universal. Está num domínio de limite. Neste sentido, a arquitectura é prolongamento, uma modificação que confirma significados absolutos próprios de um lugar. Mesmo quando um novo trabalho é a inversão de condições herdadas, a ordem respectiva procura incorporar um aspecto determinado, ou iluminar um significado específico, distinto das generalidades do espaço abstracto. Existe um ideal no específico e um absoluto no relativo.

Permanecendo no pátio do Convento de Religiosas em Uxmal, o tempo torna-se transparente e a
função desconhecida. O curso do sol está perfeitamente ordenado com a arquitectura. Os enquadramentos visuais alinhados com as colinas distantes. Descendo pelo recinto de baile, ascendendo à "Casa das Tartarugas" e de novo olhando para o grande pátio, a experiência transcende a beleza arquitectónica. A arquitectura e o sítio estão fenomenologicamente unidos.

No Salk Institute de Louis Kahn (1), há uma hora do dia em que a luz do sol, reflectida no oceano, junta-se ao regato de água que bissecta o pátio central. Oceano e pátio fundem-se no fenómeno que é a luz do sol reflectida sobre água. Arquitectura e natureza reunem-se numa metafísica do lugar.

Ao longo de um vasto e fértil vale no Oregon, uma forma irregular debrua o Mosteiro Beneditino de Mt. Angel. Na aproximação pelo jardim do claustro, no topo do monte, essa forma aparece como um edifício de um só piso, baixo, de consequências modestas. Porém, no interior, desdobra-se numa explosão de espaço aberto, descendente para o exterior, partilhando voluntariamente o panorama ondulante de terra e céu. Aalto (2) completou a orla do plateau monástico, e criou uma serena cascata de espaço para estudo e contemplação. As qualidades da arquitectura fundem-se com as qualidades e significado da respectiva situação.

Os grandes templos de Ise, no Japão, são reconstruídos todos os vinte anos em sítios adjacentes.
Cada templo tem dois distintos. Desde 4 A.C., este acto religioso manifesta um poder misterioso, sobretudo no sítio vazio com os seus caminhos de pedra, pronto a receber o templo adjacente de acordo com o ciclo seguinte de vinte anos. Tempo e sítio estão ainda mais comprometidos no Sakaki - os ornamentos de papel dependurados nos portões e na cerca, substituídos todos os dez dias.

A residência Malaparte de Adalberto Libera (3), em Capri, apresenta-se como um exemplo misterioso de ordem no espaço, luz e tempo. As suas paredes simples unem-se ao rochedo e penhascos, e emergem do Mediterrâneo como uma estranha plataforma que se oferece ao sol. Sem estilo, quase semalçados identificáveis, a residência associa-se ao sítio, saltando sobre o tempo.

IDEIA E FENÓMENOS. A essência de uma obra de arquitectura é a ligação orgânica entre o conceito e aforma. As partes não podem ser subtraídas ou adicionadas sem perturbar as suas, propriedades fundamentais. Um conceito, tanto como explícita declaração racional ou demonstração subjectiva,estabelece uma ordem, um campo de investigação, um princípio limitado.

Dentro dos fenómenos da experiência na construção edificada, a ideia organizadora é um fio subtilque liga as diferentes partes à intenção exacta. No entanto, a experiência com planos semi-transparentesde vidro, definidores de um espaço sob o brilho da luz, apresenta uma experiência sensorial irreduzível aoconceito subjacente. Porém, esta inexpressão não constitui um hiato entre conceito e fenómenos, mas o raio do campo de acção onde se intersectam várias conclusões.

O entrelaçamento de ideia e fenómenos ocorre quando um edifício é realizado. Antes de começar, o esqueleto metafísico do tempo, luz, espaço e matéria da arquitectura mantêm-se desorganizado. Abrem-se formas de composição - linha, plano, volume e proporção - que aguardam ser activadas. Uma ordem ou ideia pode formar-se quando se juntam sítio, cultura e programa. Porém, por enquanto, a ideia é apenas concepção.

A transparência de uma membrana, a opacidade do gesso de uma parede, o reflexo lustroso do vidro opaco e o raio de luz solar enredam-se em relações recíprocas que formam a experiência particular de um lugar. A interacção dos materiais com os sentidos do utilizador providencia o detalhe que nos comove, para além da visão precisa da tactibilidade. Da linearidade, concavidade e transparência até à dureza, elasticidade e humidade, abre-se o domínio háptico.

Uma arquitectura de matéria e tactibilidade deseja uma "poética de revelação" (Martin Heidegger) (4), que requer uma carpintaria inspirada. O detalhe, nesta poética de revelação, manipula a dissonância de camadas íntimas com a consonância da grande escala. A paciência vertical da parede maciça é interrompida por uma mínima jaula solitária de luz, simultaneamente conferindo escala e revelando material e substância.

De modo semelhante, a experiência espacial do paralaxe, ou desvio perspéctico, abre os fenómenos dos campos espaciais, enquanto se move através de espaços sobrepostos definidos por sólidos e concavidades. Dentro do ponto de vista perspéctico, a experiência do espaço oferece a combinação do horizonte, enquanto espaço externo, com o ponto óptico do corpo. As órbitas do olho surgem assim como um tipo de posição arquitectónica assente nos fenómenos da experiência espacial, que deve ser reconciliada com o conceito e respectiva abstracção da espacialidade experimental.

Um número infinito de perspectivas, projectadas a partir dum número infinito de pontos de vista, podem ser consideradas como construtoras do campo espacial fenomenológico duma obra de arquitectura.

Sem luz, o espaço permanece em esquecimento. A sombra e penumbra da luz, as suas diferentes fontes, a sua opacidade, transparência, translucidez e condições de reflexão e refracção, entrelaçam-se para definir ou redefinir o espaço. A luz sujeita o espaço à incerteza, formando uma espécie de parte de ensaio através dos campos da experiência. A constatação do que uma fonte de luz amarela faz a um simples volume liso ou do que um parabolóide de sombra provoca a uma parede nua e branca, descobre um estado psicológico e transcendente dos fenómenos da arquitectura.

Se, dentro duma construção fisica, considerarmos a ordem (a ideia) como a percepção exterior e os fenómenos (a experiência) como a percepção interior, então as percepções interior e exterior estão entrelaçadas. A partir desta posição, a experimentação fenomenofágica é o material para uma forma de reflectir que reune conceito e sensação. O objectivo está unido ao subjactivo. A percepção exterior (do intelecto) e a percepção interior (dos sentidos) estão sintetizadas na ordenação do espaço, luz e material.

O pensamento arquitectónico é trabalhar através da fenomenologia originada pela ideia. Ao "fazer" descobre-se que a ideia é apenas uma semente para crescimento nos fenómenos.

As sensações da experiência tomam-se um tipo de reflexão distinto do fazer a arquitectura. Quer reflectindo sobre a unidade do conceito e sensação, quer sobre o entrelaçamento de ideia e fenómenos, a esperaça é unir intelecto ao sentir e precisão à alma.

PROTO-ELEMENTOS DA ARQUITECTURA (UMA LINGUAGEM ABERTA). O vocabulário aberto da arquitectura moderna pode ser acrescido por qualquer elemento, forma, método ou geometria de composição. Uma situação estabelece limites imediatamente. Um conceito ordenador escolhido e uns materiais também escolhidos iniciam o esforço de revelar a natureza do trabalho. Antes do sítio, mesmo antes da cultura, um vocabulário tangível de elementos de arquitectura mantém-se em aberto. Reside aqui um belo potencial: os proto-elementos da arquitectura.

Proto-elementos: combinações possíveis de linhas, planos e volumes no espaço mantém-se isolados, trans-históricos e trans-culturais. Flutuam em grau zero de forma sem gravidade, mas são percursores da forma arquitectónica concreta. São elementos transculturais e transtemporais, comuns à antiga arquitectura de Kyoto ou Roma. São elementos que constituem preceitos geométricos fundamentais, comuns ao Antigo Egipto e ao Gótico final, ao racionalismo e ao expressionismo do século vinte.

Linhas: caules de plantas, pequenos ramos, fendas na lama, fendas no gelo, veios duma folha, texturas da madeira, linhas nodais, teias de aranha, cabelo, dunas de areia... O espantoso traçado gótico na pedra da Capela do King's College, da Abadia de Westminster, ou da Catedral de Gloucester. A linearidade do aço no Crystal Palace de Paxton (5) ...

Planos: fitas das algas, folhas de palmeira, couves, sedimentos, pedra, orelhas de elefante, lençóis de água, asas, plumas, papiros... A parede planar na arquitectura do Antigo Egipto; o Templo de Luxor. A maravilhosa e lírica sobreposição na Casa Giuliani-Frigerio de Terragni ou na Casa Schröder de Rietveld.

Volumes: búzios, abóboras, melões, troncos de árvore, icebergues, cristais endomórficos, cactos, planetas... As intensidades volumétricas na arquitectura de Roma, os cilindros de pedra, as pirâmides puras de Cestius ou os volumes interiores no Românico de S. Front, em Periguex.

Uma linguagem aberta, uma extensão do corpo arquitectónico é análogo à extensão da composição na música modena. Tal como um estudante de música pode estudar as mais abertas variações e estruturas em composição, também o estudante de arquitectura deve cultivar um apetite pela composição que seja diverso do habitual modo de ver. A combinação de tons numa unidade harmónica ou a dissonância que reflecte outro tipo de consonância têm paralelos na arquitectura. Quando a música não mais depende da adesão a um sistema de valores de modos major e menor, ou a um sistema clássico de tonalidades, o raio da acção musical é aumentado. Do mesmo modo, no estudo da composição arquitectónica, podemos procurar estender este raio de acção, apesar deste permanecer aberto aos inevitáveis limites que o definem em cada circunstância e sítio.

IDEOLOGIA VS. IDEIA. As teorias gerais da arquitectura são constrangidas por um problema central, quer isto dizer, se uma teoria particular é verdadeira, então todas as outras são falsas. O Pluralismo, por outro lado, conduz a uma arquitectura empírica. Uma terceira direcção, tão elástica quanto definitiva, é a adopção de um conceito limitado. O tempo, cultura, circunstâncias programáticas e sítio são factores específicos a partir dos quais uma ideia organizadora pode ser formada. Um conceito específico pode ser desenvolvido como uma ordem precisa, independente das exigências universais de uma ideologia particular.

Uma teoria da arquitectura que conduza a um sistema de pensar e construir edifícios , tem, como base, uma série de ideias fixas que constituem uma ideologia. A ideologia é evidente em cada projecto que, por sua vez, responde à teoria geal. Em contraste, uma arquitectura baseada num conceito limitado começa com dissemelhança e variação. Ilumina a singularidade duma situação específica.

Os princípios de proporção ou deliberação sobre o ritmo e números não são inválidos por se começar a partir de um conceito "limitado". Os princípios abstractos da composição arquitectónica têm uma posição subordinada na ideia geradora. A ordem "do universal para o específico" é invertida para tornar-se do "específico para o universal".

Esta estatégia de inversão pode tornar-se uma ideologia em si mesma. Não é esta a intenção mas, mesmo assim, esta seria uma ideologia sempre em mudança, uma teoria do cisne preto, mutável e imprevisível. Seria uma ideologia e negaria a homogeneidade do já aceite, através da celebração do extraordinário que é paralelo à diversidade da natureza. A ser uma teoria, esta permitiria uma arquitectura com origens estranhas e misteriosas, confiante no significado original e único de cada lugar. Como seu desígnio, a variação, precisão e celebração daquilo que ainda não é conhecido.

"Os aspectos das coisas
que são para nós mais importantes
escondem-se pela sua simplicidade
e familiaridade ".

- L. Wittgenstein (6)

(1) Louis Kahn (1901-1974), arquitecto americano de origem estoniana; consultar BROWNLEE, David; DELONG, David - Louis Kahn: In the Realm of Architecture, Los Angeles/New York, Ed. The Museum of Contemporary Art/ Rizzoli, 1992 (N. T.).

(2) Alvar Aalto (1898-1977), arquitecto finlandês; consultar SCHILDT, Göran - Alvar Aalto, The complete Catalogue of Architecture, Design and Art, London, Ed. Academy, 1994 (N.T.).

(3) Adalberto Libera ( 1903-1963), arquitecto italiano; ver Gruppo 7, a primeira organização oficial do racionalismo italiano nos anos 20; consultar KOSTOF, Spiro - Historia de Ia Arquitectura, Madrid, Ed. Alianza, 1988 (N. T .).

(4) Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão; ler "Construir, Habitar, Pensar", in Conferencias y artículos, Barcelona, Ed. dei Serbal, 1994 (N. T .).

(5) Joseph Paxton (1801-1855), arquitecto inglês; ver pioneiros da "arquitectura do ferro"; consultar KOSTOF , Spiro -op. cito (N. T .).

(6) Ludwig Wittgenstein ( 1889-1951 ). filósofo austríaco (N.T.).
Tradução livre do texto "Anchoring",in HOLL, Steven - Anchoring, New York, Ed. Princeton Architectural Press, 1989/1991 João Belo Rodeia, 1997